segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Criada para suportar

Meus pais? Nao sei onde estao, mas me mandam dinheiro todo o mês.Prefiro dizer que morreram, afinal é quase a mesma coisa. Quando o juiz me deu a carta de emancipação eu tinha 12 anos. Todos do júri duvidaram da situação, devido as condições que meus pais impuseram, mas parece que confiaram no meu senso de responsabilidade. Nunca mais os vi.
Moro numa cidade pequena. Meus pais depositam dinheiro na conta do banco e eu sobrevivo. Prefiro morar em cidade pequena porque é mais fácil conseguir as coisas apesar de todos comentarem da ausência de adultos.
Logo depois do documento estar em minhas mãos, minha prima menor veio morar comigo. O nome dela é Lara e tinha 3 anos na época. Ela é órfã. Desde pequena, me chamava de mãe. Eu corrigia e contava a ela sua verdadeira história, até que com 4 anos e meio ela me disse: "Eu sei que nao nasci de você, mas mãe é quem cuida. Você é minha mãe." Chorei e a abracei.
Lucas é meu namorado. Nós estamos juntos desde antes da Lara nascer. Ele mora na capital mas sempre vem nos ver. Lara chama-o de pai. Ele diz que nao se importa já que a viu nascer. "Somos uma família a muito tempo" dizia.
Sempre esteve comigo. O conheço desde que nasci. Nós confiamos um no outro como ninguém um dia confiou. Desde que me mudei depois do julgamento, ele veio com mais freqüência preocupado com a nossa adaptação. Os pais dele sao presentes, mas sabem que não tem problema entao deixam ele vir.
Já tive câncer. Duas vezes. E por isso dou valor a vida. Das duas vezes meus pais nao apareceram. Das duas vezes fui forte o bastante para nao chorar por isso. Das duas vezes eu soube que poderia suportar porque, das duas vezes foi Lucas quem e acalmou, segurou minha mão, e disse "nós vamos passar por isso juntos". O rosto dele foi o que vi por último quando desmaiei e primeiro quando acordei. Eu o amo. Ele me ama. Nós temos certeza.
Moro sozinha com Lara, com a exceção das semanas felizmente freqüentes em que Lucas vem. Eu arrumo a casa, faço compras, pago contas, estudo, levo Lara para a creche, saio a noite com meus amigos e toda a tarde depois da aula pergunto à ela o que quer fazer. Já a ensinei o básico de vários instrumentos, trabalhos manuais, brincadeiras de corda, cantigas de roda, ensinei sobre música, arte, teatro. Ela é muito curiosa, obediente. Nunca tive que reclamar uma coisa sequer. Lara. Minha linda. Minha pequena. Minha filha. Lucas. Meu namorado. Meu amor. O pai da minha filha. Essa é a minha vida. Minha família.
Sou Isabel, tenho 16 anos. Vivo a vida diferente, mas é como deve ser.

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